Discernimento e Planejamento Existêncial | PARTE II |

 

O Plano de Vida com Hipótese de Trabalho

 

Se a observação ou percepção das necessidades existenciais foi feita com clareza, não deverá haver dificuldade para formular os objetivos a serem atingidos para suprir estas necessidades nas diferentes áreas supracitadas. Acrescente-se a isso um cronograma com prazos adequados e, dessa forma, um plano de vida estará elaborado, ainda que rudimentar ou preliminarmente, como uma hipótese de trabalho. Entretanto, para que o plano de vida seja exequível, ágil e integrado, ele deverá estar estruturado por uma escala de prioridades entre essas diversas áreas, que deverá ser estabelecida pela própria pessoa. Isso é particularmente importante, pois caso apareça mais de uma oportunidade ao mesmo tempo em diferentes áreas, o plano de vida deve indicar um caminho prioritário, de modo a evitar que a pessoa possa ficar confusa ou em dúvida entre diferentes objetivos, perdendo assim o foco da atenção justo no momento de aproveitar a oportunidade mais importante. Então, a escala de prioridades expõe a própria escala de valores da pessoa e permite que ela prontamente saiba escolher por onde começar, de modo que não perca nenhum instante com hesitações, o que poderia ser trágico justo no tão esperado e decisivo momento da execução, para que não venha a se realizar a irônica expressão popular: “Na hora de chover, faltou água”!

 

3) Executar

Finalmente, então, a partir desses objetivos e dessa escala de prioridades com o cronograma, sendo esse conjunto considerado como o plano de vida da pessoa, partes e para a execução. As datas da execução são relacionadas diretamente com as datas do cronograma, que são geralmente independentes das datas de inspiração para clareza de rumos. Na verdade, é pela execução que se relaciona o mundo interno dos nossos ideais, sonhos e objetivos com a realidade dos fatos do mundo externo buscando suprir, a partir do planejamento existencial, as diversas necessidades da pessoa. Sem a execução, que passa a ser o laboratório de experiência no mundo externo, torna-se geralmente difícil descobrir se tais supostas necessidades são reais ou meras fantasias, projeções ilusórias da imaginação da própria pessoa. Colhendo o fruto das ações interage-se com os fatos das leis da Natureza e aprende-se na escola da vida do mundo externo. Caso contrário poder-se-ia ficar eternamente alienado na onipotência da viagem de sonhos, imaginações e projeções ilusórias, sem uma chance de descobrir a verdade.

 

O executar pode inclusive demandar ou gerar um contínuo processo de reajuste das datas do próprio cronograma, porque se admite, hoje em dia, em administração, que, quanto melhor ou mais eficiente for o plano, mais eficiente será também a possibilidade de sua execução. Dessa forma, se uma pessoa, ao executar o plano, traz novos dados a partir da experiência direta, ela pode torná-lo mais eficiente reajustando o cronograma ou até a escala de prioridades do plano a esses novos dados, é o que se chama de retroalimentação ou feedback. Então, há um movimento contínuo de ida e volta, de retroalimentação entre o planejamento e a execução. Inclusive, é no executar que se descobrirá se aquela hipótese é viável, e também se fará até um teste de coerência entre o plano e a execução. Enfim, é através da execução do plano e atingindo o objetivo que se descobrirá se aquilo é realmente o que a pessoa quer. E, tal constatação pode remeter a pessoa não apenas a um feedback e a uma reavaliação do cronograma e da escala de prioridades, mas até mesmo a reavaliar quais são os verdadeiros objetivos da pessoa e, portanto, quais são suas reais necessidades.

 

Contradições entre o Plano e a Execução

 

Tomar consciência da contradição é o começo da libertação. Há pessoas que planejam uma coisa, mas fazem exatamente o contrário, parecem, pois, estar boicotando a si mesmas. Por exemplo, dizem que querem muito ir para Buenos Aires fazer uma determinada faculdade que só existe lá, que é a sua verdadeira vocação, começam então guardando dinheiro na poupança, e quando finalmente tem o suficiente nos enviam de repente um cartão postal lá de Nova Iorque. Caso se pergunte o que a pessoa está fazendo lá, ao invés de estar em Buenos Aires, a resposta impressionante pode ser que o mundo é redondo, que agora a pessoa ainda está em Nova Iorque, mas “vai aproveitar” e passar pelo Pólo Ártico, depois descerá pelo Japão, visitará os cangurus na Austrália, depois irá para a Antártida, então subirá pela Terra do Fogo e um dia, sabe-se lá quanto tempo depois, chegará em Buenos Aires, quando talvez nem exista mais o curso desejado, ou a faculdade tão almejada já tenha até encerrado suas atividades, ou talvez a própria Universidade já tenha falido e não exista mais.

 

Obviamente, a oportunidade tem um momento exato, caso não se aja com prontidão e coerentemente com o que foi previamente planejado isso indica que eventualmente a pessoa está se boicotando ou não sabe bem ao certo o que quer. Então o fator de insucesso não é necessariamente externo, mas freqüentemente interno. Se a pessoa não sabe o que quer, ou diz que quer uma coisa, mas na hora de agir faz exatamente o contrário, ela tem de sentar-se calmamente e investigar porque ela própria está se boicotando. Investigar, enfim, quais são os bloqueios do seu próprio inconsciente que a impedem de agir coerentemente com aquelas decisões que foram tomadas prévia e racionalmente no seu nível consciente.

 

Coragem para Viver o Ideal

 

Portanto, estando clara a importância da observação atenta das necessidades para a formulação da hipótese de trabalho que seria o plano de vida, passa-se ao estágio da sua execução, que é o nosso campo de experiência. Entretanto, vamos descobrir que, para chegar ao estágio de executar o plano de vida, temos de ter coragem para vencer certos medos, pois se corre sempre o risco de colidir com uma desilusão no final. Para chegar à experiência é preciso primeiro vencer o medo do fracasso e depois o medo da perda do êxito já conquistado. O medo do fracasso é mais próprio da adolescência, enquanto o segundo, que é o medo da perda do êxito já conquistado, é mais próprio de quem já conquistou alguma coisa sendo mais conhecido como acomodação ou dependência. Ambos esses casos de medo geram ansiedade, que é caracterizada pelo apego que a pessoa tem ao que de alguma forma já conquistou, ou o medo de que não consiga conquistar outra coisa melhor. De alguma forma o próprio Buda já dizia que o problema não é só o de não ter alguma coisa, mas em tendo-a ficar dependente dela, seja como for, o apego é a causa da ansiedade. Na verdade, se uma pessoa não tem a coragem de correr riscos para viver os seus próprios ideais ou sonhos, ela não está realmente vivendo, antes ela está sendo vivida pela acomodação ou pelo medo que nela habitam, portanto, ela não está vivendo intensamente aqueles objetivos, aspirações e ideais do seu coração. A ansiedade cresce quando a pessoa continua a sonhar e idolatra o ideal pondo-o com uma fantasia distante para mera contemplação, mas devido aos seus apegos não tem a coragem de se comprometer a vivê-lo.

 

Descartando Hipóteses Falsas

 

Outro caso é o da pessoa que teve a coragem para chegar a realizar o seu objetivo. Ela pode encontrar o sabor da realização, mas se ela, pelo contrário, encontra a desilusão, deveria logo perceber que escolheu uma hipótese falsa. È justamente neste caso, porém, que as escolhas de objetivos ou hipóteses de trabalho feitas consciente e previamente facilitam identificar a hipótese falsa. Algumas pessoas acham que planejar a vida é uma coisa muito artificial, que o importante é seguir o caminho espontâneo da emoção de cada momento. Estas pessoas, porém, na medida em que não escolheram prévia e racionalmente um plano de vida como hipótese de trabalho, caso cheguem a uma desilusão, nem sempre conseguirão isolar as variáveis da equação com a mesma rapidez, sua tendência é a de projetar a culpa do seu fracasso nos outros. O fato é que elas se permitiram ser iludidas anteriormente, escolhendo inconscientemente uma hipótese falsa. Uma desilusão implica necessariamente na existência de uma ilusão prévia, uma frustração indica que havia uma expectativa que não se realizou. Nesse sentido, pareceria lógico que, com o devido desapego, a pessoa desenvolvesse a capacidade de ver o que é, em sânscrito sat, ou seja, ver as coisas como elas são, o que vem a ser o começo da sabedoria. De sat deriva a palavra sânscrita satya, que é significa verdade, aquela dissolve maya ou a ilusão. Assim, a pessoa compreenderia ou se conscientizaria, a partir da desilusão, que a sua ação foi estruturada sobre uma fantasia, uma ilusão. Por isso dizia o Senhor Cristo: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”⁹ Portanto, essa compreensão seria libertadora e produziria uma modificação na percepção de necessidades existenciais da pessoa e na sua escala de valores, então ela tomaria uma nova hipótese e não repetiria nunca mais o mesmo erro, libertando-se para sempre daquela ilusão ou hipótese falsa.

 

É muito comum as pessoas ficarem desenvolvendo mágoa ou sentimento de frustração com relação às suas ações que não foram tão bem sucedidas ou que não trouxeram os resultados esperados, em vez de chegar à simples conclusão de que escolheram uma hipótese falsa ou baseada em uma fantasia, em uma ilusão. A dificuldade costuma ser a de faltar o desapego, a imparcialidade, para começar de novo com uma nova hipótese, tendo apenas percebido que se escolheu mal. Se a pessoa alcançar a esse nível de desapego, a experiência valeu a pena mesmo que ela não tenha chegado ao sucesso esperado, na medida em que descartar uma hipótese falsa, do ponto de vista científico, já é conhecimento positivo. Trata-se de uma ilusão a menos para a pessoa cair no futuro. Ela não se enganará mais daquela forma quando de fato assimilar com desapego essa experiência. Então, nesse sentido toda a hipótese e toda a experiência são válidas, mas é claro, mais válida é aquela experiência que foi estruturada conscientemente por uma hipótese, e mais rapidamente ela se libertará de uma fantasia na medida em que a hipótese falsa for devidamente identificada com mais clareza. Nesse processo, o planejamento existencial prévio sempre é útil como catalisador, acelerando a identificação das causas escolhidas ou hipóteses falsas do plano cuja execução falhou.

 

Evitando Projetar a Culpa nos Outros

 

Evidentemente, as escolhas de uma pessoa são limitadas pelas circunstâncias, que podem ser interpretadas à luz do karma maduro que se pode ler no mapa astral, com vermos mais adiante. Por outro lado, a ideia fundamental do karma é que foi a própria pessoa que semeou as causas cujos efeitos ela colhe agora. Infelizmente, algumas pessoas projetam a culpa de suas frustrações em terceiros e ficam a nutrir mágoas e ressentimentos em relação aos outros, seja da mãe que é a eterna culpada na psicologia e pelos analistas, seja do pai, das autoridades, da política, seja mesmo de Deus, dos Astros, do Destino, da Vida, do Mundo, etc. Por isso é tão importante que a pessoa assuma a responsabilidade por suas próprias escolhas, como dizia a Dra. Annie Besant: “Se as pessoas tentarem impor sobre ti o que elas imaginam ser os teus deveres, e tu vês que eles não o são, tu tens simplesmente que discordar destas pessoas suave, mas firmemente. Tu tens de decidir. Tu podes fazer assim correta ou erroneamente, e se for erroneamente tu sofrerás, mas a decisão tem de ser tua.”¹⁰ Parece que esta é a maneira de desenvolver o discernimento, caso contrário a pessoa tenderá infantilmente a pôr a culpa nos outros, mas não relacionará a verdadeira causa com o seu respectivo efeito.

 

A Sabedoria Vem do Sabor da Própria Experiência

 

Por outro lado, se a pessoa naquela experiência colher um sabor, isso quer dizer que ela já não se desiludiu de imediato, mas garantiria isso que a hipótese é verdadeira? Parece mais prudente dizer, como fazem os epistemólogos, que se trata de uma hipótese não falsa, a melhor hipótese de trabalho até então encontrada. Ela passa a ser aquela que se sustentará como a que melhor resolve as necessidades existenciais em questão. Mas, se a pessoa não for além do plano da sensação, que traz ou o sabor ou a desilusão, não poderá chegar à assimilação do conteúdo, que nesse caso passa a ser o saber que está contido por detrás do sabor. Do verbo latino sapere, que quer dizer tanto saber quanto sabor, pois tem dupla conotação, é derivada a palavra sabedoria, em português, que, portanto, significa um tipo de saber que vem do sabor da própria experiência. Não pode vir dos livros a sabedoria. Então, afirma-se que, ao sentir o saber pelo sabor direto da experiência, é através dessa experiência que a pessoa tem o contato com a lei existencial que rege o fenômeno, ou seja, a sabedoria leva a pessoa, através desse contato direto, à descoberta das suas reais necessidades. Então, se pode mover montanhas, como diz a passagem da Escritura, porque a pessoa tem fé que realmente aquela necessidade é decisiva e real para ela. Quando uma pessoa realmente sabe o que quer ela movimenta as montanhas.

 

Não Basta Ter Sorte

 

Por outro lado, é importante que se perceba que não basta a sorte nisto, dos quarenta ganhadores da loteria que o Fantástico investigou, dez anos depois trinta e nove estavam mais pobres do que antes e, portanto, como não colocaram os valores prévia e conscientemente apoiados na experiência, também não estruturaram conscientemente uma escala de prioridades, depois não souberam revisar seus valores quando eventualmente começaram a fracassar e, assim, foram até o fim pondo a culpa no Destino, nos Astros ou sabe-se lá onde. O ciclo dos Astros fornece ocasiões favoráveis e desfavoráveis, mas cabe ao indivíduo saber escolher e avaliar quais as prioridades da sua vida perante a sua percepção de necessidades existenciais. Eventualmente, é preciso reavaliar essas necessidades e a sua respectiva escala de valores, para que não se diga depois que “era feliz e não sabia”, tendo jogado fora toda a vantagem da loteria que já se tinha na mão. Muitas vezes a pessoa tem na mão períodos de sorte e não sabe aproveitá-los porque não está estruturada conscientemente para isso, ou porque não pôs valor conscientemente na experiência e depois jogou a oportunidade fora, porque “o que entra fácil sai fácil”. Mesmo quando as experiências oferecerem circunstâncias não tão favoráveis, diz o ditado popular que “Deus fecha uma porta, mas abre outra”, ou abre uma janela, parece haver mais de uma versão. O fato é que se a pessoa tiver definidas as cinco áreas alternativas de objetivos ou ideais, quando uma área não estiver favorável ela poderá aproveitar as outras. A vida sempre oferece algum caminho aberto.

 

 

 Notas de Rodapé:

9 – A BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 1995. p.2008. (João 8:32).

10 – BESANT, A. & LEADBEATER, C.W. Talks on the Path of Occultism. Madras, India: Theosophical Publishing House, 1980. v. 1, p. 275.

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